Um pesadelo se encena nesse espaço. Ele confunde e atenta contra os trabalhos difíceis da memória. Tudo planejado e encenado desde 1947, e preservado década após década pelos componentes que forjam a política internacional entre países e entre homens. Num país que, não sem contradições, prima pela qualidade de informações e documentação sobre o Holocausto, em nenhuma parte do parque encontra-se qualquer informação sobre as milhões de mulheres e crianças alemãs violentadas brutalmente na Alemanha, cujas vidas seriam devastadas durante e após a ocupação russa (Ash, 2015).
Em 2022, em plena Berlim, um convite explícito à submissão do pensamento, da história e dos testemunhos impossíveis das mulheres que não puderam e não quiseram falar. Um convite à desmemória.
Os soldados mortos estavam a serviço de recobrir as mulheres mortificadas, e as mulheres violadas e caladas, a serviço de legitimar a justa homenagem aos combatentes e suas narrativas gloriosas, que abundaram e predominaram após a Segunda Guerra.
A captura da palavra se exibiria como iconografia da morte e da mortificação, atuando também para legitimar crimes impunes e elevar os homens, machos, guerreiros, acima das atrocidades que cometem. As mulheres figuram ali como subservientes à versão dos homens e ao desejo dos homens de violentá-las. As mulheres são um imenso nada, para sempre indiferenciadas e desconhecidas.
Há ali todo um traçado que exibe não apenas as razões da guerra que resultam na afirmação da masculinidade degradante, mas seus corolários que condenam a mulher ao silêncio e à resignação perpétua, a fim de não macular as glórias que ocorreram apesar delas, contra elas e sobre elas e que perduram em infinitas versões sobre a Segunda Guerra Mundial. Se a instrução dada por esse monumento pode ser compreendida como abusiva em si mesma, isso nos impele a pensar sobre o papel do negativo na ativação dos mecanismos de perpetuação de sociedades inteiras de abusadores.
A exibição pública dessa contradição é denegatória, sem dúvida, mas a verdade é que poucos enxergarão ali mais do que um enorme parque de monumentos, belamente ajardinado, indicando que o pior já passou. Embora apenas os deliberadamente ignorantes não tenham informações sobre as práticas violadoras do Exército russo em países invadidos. O que ocorre hoje na Ucrânia, por exemplo, instala uma repetição atual previsível, mas impressionante:
A promotora geral da Ucrânia Iryna Venediktova disse na terça que seu escritório tem coletado relatos de violência sexual cometida contra homens e mulheres de todas as idades, de crianças a pessoas mais velhas. (GrahamHarrison, 2022; Al Jazeera, 2022)9
Mas lá, em Berlim, o
soldado russo continua, indenemente, sendo homenageado. Os
traços iconográficos e inconscientes do destino das
mulheres podem ser vistos nas muitas imagens de mulheres nas
lápides e na grandiloquente imagem da motherland ajoelhada, submissa e arrasada. Mothers e Land devastadas.
As mulheres estão ali, mas como figuras agradecidas,
amedrontadas e resignadas, e, ao final, quem narra essa história
é Stalin. O que pode ser lido em todas as 16 enormes
lápides adornadas com suas frases. Quem mais as mulheres
elegeriam para representá-las, senão Josef Stalin?
O (não)lugar para a memória das mulheres
Em depoimento ao Opera Mundi Amelinha Teles (2018), mais uma vez, conta detalhes da natureza sexual das torturas durante sua prisão política pela oban. A violação sexual era uma prática autorizada, regular e política de Estado contra as mulheres presas durante o governo civil-militar iniciado em1964 no Brasil. Os fatos descritos por Amelinha não eram fatos isolados, nem desvios de comportamento desse ou daquele militar, desse ou daquele policial. Seus relatos revelam o endereçamento sexual das práticas de tortura no Brasil, elas acompanhavam e definiam a prática da tortura e a impunidade que beneficia os torturadores até hoje e indicam, com clareza, a tolerância social e política à continuidade dessas violações, crimes e abusos até hoje impunes no Brasil.
Diferentemente do monumento grandiloquente ao soldado soviético em Berlim, a homenagem no Brasil é adornada com impunidade e o silêncio sobre esses crimes do passado, que também define e insufla a prática continuada de violência contra as mulheres brasileiras hoje.10
E são as mulheres que precisam repetir infinitamente o que sofreram, as consequências desse sofrimento e os riscos que correm numa sociedade e num país inteiro que se negam explicitamente a ouvi-las, quando não atuam para calá-las. Não houve torturadores, nem ditadura, nem estupros cometidos por agentes do Estado no Brasil, então governado por militares. São as mulheres, exibindo seus corpos, seus espíritos machucados e seus testemunhos, que mantêm vivas as memórias das atrocidades e a tarefa da não erradicação dos atos de tortura e destruição cometidos por homens, que decidiram cometer violências contra as mulheres, porque elas são mulheres. A ditadura civil-militar no Brasil praticou a tortura feminicida e o femicídio despudoradamente.11
Não há homens torturadores punidos no Brasil, o que enseja, oportuniza e incentiva que monstruosidades façam campanhas políticas inteiras negando o golpe militar, seus crimes, atrocidades e covardias e cheguem ao poder pelo voto defendendo práticas ilegais e discricionárias.
Desde já, fica claro que, no Brasil, as prisões em escala que passaram a ocorrer desde o dia 8 de janeiro de 2023 exibiram o fato de que a extrema direita é outro nome no país para hordas de violadores contumazes de direitos humanos e civis, pregadores de ódio a minorias e executores deliberados de práticas de racismo, sexismo e misoginia.
Tudo isso sempre foi sabido, mas foram as prisões e processos decorrentes da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023 que performaram também um espetáculo contra a impunidade de massa que prosperava no Brasil, à margem e contra os princípios da Constituição Federal de 1988.
Vivemos quatro anos (2019-2022) numa atmosfera em que tudo era permitido, e as vozes contrárias pareciam roucas, inaudíveis e apagadas pela capacidade governamental de calá-las ou ser indiferente a elas. Os microfones da infâmia e da estupidez soaram muito alto, bem mais alto do que se supunha. O ataque ao pensamento, ao argumento e ao exercício do falar e ouvir criou imensa adesão, converteu-se em discurso transmissível e instruiu ações e afetos em toda parte, no seio de hordas que, hoje sabemos, chegam a milhões de pessoas.
Esses assumidos violadores da Constituição de 1988 se reconheceram e se organizaram em torno da pregação de campanha do ex-presidente derrotado nas urnas em 2022, e hoje acusado de crimes de roubo, furto, apropriação indevida do patrimônio nacional. Foi ele que incitou e convenceu milhões a levarem vantagem em tudo, e sobretudo porque seriam acobertados. A mensagem eficaz, mas fragmentada, sempre foi “comprem suas armas e saqueiem quem e o que puderem”, e esse parecia ser o mote da campanha, enquanto o ex-presidente e sua família faziam sua própria pilhagem contra o Estado. Falsas promessas encantaram serpentes, hoje criadas e soltas pelo país.
Mas o que tornava tudo implicitamente horrorizante é que isso se estendia à incitação a patrimonializar também o corpo dos vulneráveis, dos divergentes e dos não brancos e não homens. Por isso seu linguajar converte corpos em objetos purgados de sujeites, animaliza e prega contra elus a violência e a degradação:
“Tu pesa o quê? Mais de sete arrobas, não é?” (Brasil 247, 2022), disse o ex-presidente investigado para um homem negro. Ou sobre a morte de Dom Phillips e Bruno Araújo: “Pelo que tudo indica, se mataram os dois, espero que não, estão dentro d’água. Dentro d’água, pouca coisa vai sobrar. Peixe come. Não sei se tem piranha lá no Javari” (Brasil, 2022). Sobre o estupro, dirigindo-se à então deputada federal Maria do Rosário: “Jamais vou estuprar você, porque você não merece” (IstoÉ, 2014). E ainda sobre a busca dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura, efeito do golpe de 1964: “Quem vai atrás de osso é cachorro” (Locomotiva, 2020).
O escárnio sempre foi sua estratégia discursiva para arrebanhar adeptos, convocando a massificação de desejos de morte, degradação e destruição de milhões de pessoas que deveriam ser segregadas, violentadas e mortas porque são desagradáveis a alguém, ocasionalmente no poder. Vivemos a ressurgência da tirania no Brasil.12 Brasileiras e brasileiros, até então acanhados, converteram-se em francos e aguerridos apoiadores do governo passado, e constituem hoje a massa capaz de agir, votar e defender práticas ilegais, criminosas e violentas para a satisfação de desejos e fantasias de devastação, até então, inconfessáveis.
Na linguagem própria a esse grupo, basta uma frase para converter negros em animais; ativistas em comida para peixe, mulheres em candidatas e merecedoras de violência e escárnio e desaparecidos políticos em comida para cães. Essa metamorfose da estupidez alastrou-se no Brasil com impressionante consistência e rapidez, e poucos têm dúvidas de que devastariam o país, caso o resultado das últimas eleições presidenciais em 2022 fosse diferente do que foi.
Nesse último período, o escárnio como arma política tornara-se ferramenta de desmantelamento discursivo de pontos de partida comuns, infensos ao propósito da violência. O desprezo explícito contra grupos e pessoas calou ou obscureceu discursos sobre a defesa da diversidade, dos direitos e as lutas pela igualdade, que foram diariamente ridicularizados em aparições públicas do ex-presidente.
É o mesmo escárnio patente nos rostos dos soldados estupradores do Exército Vermelho em Berlim em 1945, estampado na imagem na qual os risos dos soldados indicam que seria impossível convencê-los a não violentar aquela mulher sozinha, totalmente exposta, vulnerabilizada e assediada publicamente. Militares e covardes armados, numa cidade ocupada por pessoas vulneráveis e derrotadas, verão nisso sempre uma oportunidade. Escarnecer é dissuadir radicalmente do apelo à palavra, ao argumento e à razão, pleiteando autorização para abusos vindouros. Esses eram os desejos escamoteados que um novo golpe no Brasil realizaria. Soldados e milícias soltas por toda parte, sem qualquer regulação, controle ou vergonha.
O merecimento então revela os detalhes sórdidos de psiquismos adoecidos. Os soldados merecem estuprar, porque, afinal, são vencedores. As mulheres merecem (ou não) serem estupradas, porque, afinal, tornar-se um mero objeto masculino deveria ser sempre uma ambição, um privilégio e um… merecimento.
Aqui se conflagra então o apanágio da covardia e a suposição do desejo de degradação. Ou seja, supor e impor o desejo da mulher de ser degradada atenua, disfarça e vela a pusilanimidade dos covardes, ao mesmo tempo em que mantém intacta a injunção de que o desejo da mulher deve sempre estar a reboque do desejo do macho.
Essa é a autoficção dos autosupostos “vencedores” que se alimentam do próprio fígado para, ao final, se afirmarem homens acima dos humanos. São perigosos no convívio com diferentes e põem, de muitas maneiras, pessoas em risco. Evitar a chegada desses não humanos ao poder é hoje a maior prioridade e urgência nas lutas políticas planetárias.
Nesse massacre ao corpo, ao rosto e à alma da mulher, a convicção de meios e modos de viver matando se consagram, mas também a própria noção que engendra a vicissitude traumática é posta em relevo. Territórios do traumático são aqueles nos quais algum sujeite resiste, ante o desejo de aniquilá-le. Elu subiste como trauma, fragmento e/ou pesadelo, mas refuta, ainda que penosamente, a convicção daquelas que desejam impossibilitar os acontecimentos que suas vidas representam.
Então, podemos indicar aqui, explicitamente e sem mesuras, que a questão sobre a assunção da produção de contextos de experiências traumáticos é uma estratégia de poder de governos, partidos e grupos e reside na valorização abusiva da centralidade do falo, como princípio e fim.
Para a psicanálise examinar criticamente o diagrama potente do complexo de Édipo e suas vicissitudes, sob essa perspectiva, torna-se uma tarefa das mais urgentes, assim como recusar-se a fazê-lo, ser indiferente em nome de uma outra operação de salvamento da psicanálise, poderá avizinhar psicanalistas e suas instituições a cúmplices e sUSPeitas do que hoje se nomeia como eliminação de corpos e epistemes (Malfrán, Geni & Lago, 2021).13
Máscaras identitárias de poder e violência como sérios problemas para a teoria e a clínica psicanalítica
A constituição do sujeite psicanalítico ou em psicanálise é um assunto caro e importante. Nesse debate abre-se uma fenda, inaugurada por Freud, sobre a indeterminação do sujeite no próprio processo de fazer-se sujeite. O caso do pequeno Hans revela muitas das oscilações na investigação, apurada e atenta, que Freud faz da sexualidade de uma criança de 5 anos e seu pavor de cavalos.
As oscilações de Hans quanto a sentir-se menina, menino, os dois ou nenhum aparecem como traços de uma luta que se trava no campo da sexualidade e no corpo sexual da criança, e é uma batalha de gênero. Mas não se esgota aí, como logo notaremos na descrição do caso feita pelo pai de Hans e pelo próprio Freud. Observa então Freud sobre Hans: “A mamãe, ele acredita, tem um faz pipi ‘como de um cavalo’” (1909/2015, p. 241). A (im) potência da mãe será explicada pelo faz pipi que ela não tem, porque o que ela tem foi secularmente negado, degradado, desvalorizado e transformado em mero receptáculo daqueles que têm um o faz pipi. Por que a vagina não pode ser fálica?
Hans estava assolado por um ambiente heteronormativo parental, no qual se inclui o próprio Freud, evidentemente. A poligamia, homossexualidade, bigamia de Hans manifestam-se de diferentes modos, ressaltados pelos dois homens que o acompanham, porém, não se concebe nesse estudo a possibilidade de uma sexualidade trans na exploração empreendida pelo pequeno Hans. Mais de 100 anos passados, contudo, o que era muito difícil para Freud não o é para nós.
Vivemos o privilégio de pensar hoje o impensável no passado, restituindo o que fundou a própria psicanálise como prática e pensamento à margem de si mesma, de sua institucionalidade e de seus eventuais pontos de certeza. Duvidar do que se diz sobre si é o que Freud legou para o trabalho clínico e para a metapsicologia, mesmo quando falhou e fracassou. Trabalhar por uma psicanálise atenta, engajada e criativa não é mais tarefa de Freud, mas é nossa.
Em Hans, tudo pode acontecer no complexo de tensões em que se define o alvo da pulsão, mas a indecidibilidade, a ambiguidade, o in between determinariam o sofrimento neurótico e dificuldades psíquicas para o pequeno.
Isso é verdade quando ouvimos o caso e a análise de Freud. Parece não haver lugar para indefinições, ainda que qualquer definição possa ser, potencialmente, possível. Se um espaço para a apresentação dessas tensões é explicitamente aberto por Freud, também é verdade que a contraforça exercida pelos adultos que estão em torno de Hans e que sobre ele têm inegável poder assimétrico jamais é pensada como inscrição psíquica e sobredeterminação, naquilo que produzirá em Hans a fobia de cavalos.
A fobia da castração, a fobia do pai, a fobia de ter de ser algo que não deseja e ainda ignora, a fobia do imenso faz-pipi do cavalo. O medo de Hans não é apenas da perda do órgão (o faz pipi), que já sente como emblema de poder, força e obrigação desde sempre, mas de ser punido por não representar o que lhe impõe uma dívida impagável pela mimetização do narcisismo parental (ser um menino), por mais que esforços não faltem na criança em busca dessa mesmidade psíquica, que insiste como promessa e que jamais é inteiramente abandonada pelos pais nem por Hans. Por vezes, lendo o caso, temos a impressão de vermos uma ilha polimorfa cercada de heteronormatividade por todos os lados (Freud e seu discípulo, o pai de Hans).
Não é simples introduzir a complexa dinâmica de poderes que se exercem nas interacões entre adultos e crianças, e talvez Ferenczi (1992) tenha sido o primeiro a mencionar isso explicitamente. Sobredeterminações narcísicas parentais têm papel de gênese e condenação psíquica e, portanto, reconhecê-las interpretativamente é abrir uma fenda de pensamento outro na função de decalque dessas mesmas sobrederminações.
Sabemos que essa outridade do pensamento que também pervade o psiquismo é condição para que uma análise aconteça e seja possível, porém, ela deve cuidar de sua própria instalação de outras heteronomias às quais o psiquismo adere na situação transferencial. Essa adesão não raro é devida a vícios da forma, que poderíamos supor vícios do corpo, vícios de representação do corpo herdados e cujos obstáculos impõem saberes e deveres que induzem à experiência psíquica cativa. “Somos todos prisioneiros de representações e sensações ‘masculinas’ da guerra... Das palavras ‘masculinas’” (Aleksievitch, 2016, p. 12).
A imagem inconsciente do corpo (Dolto, 1992) sobredetermina a experiência sexual como experiência de gênero. Mas as imposições colonizadoras ao corpo e ao psiquismo são inúmeras, e o processo de apropriação da condição de ser corpo é custoso, como sabemos. Um citação de Dolto pode nos ajudar a prosseguir:
A imagem dinâmica (do corpo) corresponde ao “desejo de ser” e de perseverar em um advir. Este desejo, enquanto fundamentalmente abalado pela falta, está sempre aberto pelo desconhecido. A imagem dinâmica não tem, portanto, representação que lhe seja própria, ela é a tensão da intenção: sua representação seria a palavra “desejo”, conjugada com um verbo ativo, participante e presente no sujeito, na medida em que encarna o verbo ir, no sentido de indo-desejando ... A imagem dinâmica expressa em cada um de nós o Sendo, chamando o Advir: o sujeito no direito de desejar, eu gostaria de dizer “em desejância”. (Dolto, 1992, pp. 44-45)
Muitas são as consequências possíveis dessa afirmação. Aqui interessa indicar que a imagem/representação inconsciente do corpo próprio tem efeito de movimento (dinâmica) e se perturba diante da estagnação. Sofre imobilizado e sem o dinamismo próprio do que constitui o desejo enquanto devir. Não precisamos indicar o quanto o corpo psíquico das mulheres, e da comunidade lgbtqiap+, sofre com a imobilidade que lhe é imposta e exigida. Trans pode ser lido também como moving on e, certamente, em desejância. Mas o sempre aberto e o desconhecido são possibilidades ensejadas por corpos não masculinos, que sempre esbarram na impossibilidade tóxica dos homens imbecilizados por seus próprios paradigmas.
Nos estertores de tudo que é feito para manter determinados corpos e psiquismos cativos, há sempre a evidência do exercício de uma economia de gozo que se estende, até capitalizar o que seria sofrimento alheio, convertendo-o em formas de gozo próprio, definindo por essa via os caminhos do desejo sexual socialmente aceito, capturado e padronizado. No imenso “fora disso tudo” são lutas, resistências, novos modos de pensar, dizer, fazer e performar e a instauração do novo, que sempre supõe o declínio de formas de agir e pensar que hoje, certamente, em muitos lugares e situações, agonizam à beira de sua própria crueldade autoafirmativa, positivada, binária e heteronormativa. Estamos em revisão desses traços no próprio pensamento e na clínica psicanalítica, que depende muito e sempre do diálogo com esse “fora” vaginal.
Contra essa agonia, perpetradores instauram e preparam mais guerras, nas quais os homens ainda podem ser destituídos de humanidade, para continuarem a ser apenas inumanos. Por essa via, intentam pôr tudo abaixo, e de algum modo, e por causa disso, tudo está, sempre, apenas começando.